AMAR SEM ESPERAR RETRIBUIÇÃO

Como amar sem esperar retribuição?

Não é fácil responder à sua pergunta porque o amor não é sempre o mesmo. A cada momento ele tem uma face diferente. No momento do seu nascimento o amor é sentimento gratuito, que nada pede em troca. “A rosa não tem porquês, ela floresce porque floresce”, disse Angelus Silesius. Faço uma paráfrase: “O amor não tem porquês. Ele ama porque ama”. Drummond viveu isso e o disse no seu poema “As sem-razões do amor”: “Eu te amo porque te amo. / Não precisas ser amante, / e nem sempre sabes sê-lo. / Amor é dado de graça / e com amor não se paga…” Assim, há um momento do amor em que a questão de retribuição não existe.

Não me agrada a palavra que você usou, retribuição. Porque ela sugere um pagamento que se faz por um serviço prestado. Dou atos de amor, espero que eles sejam pagos por atos de amor equivalentes. Acho que essa contabilidade não combina com o sentimento amoroso. O que se espera não é a contabilidade dos gestos amorosos. O que se espera é a correspondência dos sentimentos amorosos. Preciso sentir, nos seus olhos e na sua voz, que você me ama. Se sinto que você me ama, não é preciso que você retribua nenhum dos meus gestos.

Aqui fico sem saber o que dizer — porque não sei o que está acontecendo entre você e a pessoa que você ama. Uma coisa que acontece com frequência é o seguinte: um dos parceiros, inundado pelo sentimento amoroso, transforma-o numa cachoeira de gestos amorosos que inunda o outro, com ameaça de afogamento. Uma vez, num ônibus, vi isso acontecendo de maneira tragicômica: a moça se debruçava sobre o moço e cobria-o de beijos apaixonados, sem que ele tivesse nem tempo de respirar nem condições para tomar a iniciativa. O pobrezinho se encolhia, não tendo para onde fugir, comprimido entre o encosto do banco e a parede do ônibus. Pensei: “Antes do fim do dia esse amor terá terminado…” Há uma exuberância que inibe o retorno. A pessoa não retorna por medo de se afogar…

É preciso distinguir o “sentimento amoroso” da “relação amorosa”. “Sentimento amoroso” é aquilo que sugeri acima, algo que existe dentro da gente, independentemente do que o outro faça. Posso estar perdidamente apaixonado por uma pessoa que não me ama. A “relação amorosa”, entretanto, não é algo que existe “em mim”. É algo que existe “entre” duas pessoas que se amam. É uma “relação”. E toda relação exige “reciprocidade”.

Uma coisa é jogar peteca sozinho. A gente bate a peteca para o alto, ela sobe, dá uma cambalhota, desce, e quando ela acaba de descer a gente bate de novo… É muito divertido. Mas é um jogo solitário. O prazer está no próprio jogo, puro sentimento. Uma outra coisa é jogar peteca com um parceiro. Agora o que é divertido não é o exercício solitário jogador-peteca (amante-amor). O que é divertido é a relação que se estabelece. Mas essa relação exige que o outro me devolva a peteca. Você está me dizendo que você joga a peteca, mas o seu parceiro não a devolve. A peteca cai no chão. Acho que é isso que você quer dizer ao falar de “retribuição”. Você está jogando sozinha o jogo do amor. Sua pergunta poderia ser traduzida assim: “Como jogar o jogo da peteca sem esperar que o meu parceiro me devolva a peteca?”.

Minha resposta é simples e direta: em tais condições não existe jogo algum. E a prova de que não existe jogo algum está no fato de que você me mandou essa pergunta. São três as alternativas:

  1. Você para de jogar peteca. Joga a peteca fora. Aprende a jogar outro jogo — o jogo do trabalho, por exemplo.
  2. Você se conforma em jogar peteca sozinha, isto é, consola-se com o “sentimento amoroso” infeliz.
  3. Você para o jogo, pega a peteca e vai procurar um outro parceiro que tenha prazer em jogar peteca com você.

A escolha quem faz é você.

 

Do livro "A grande arte de ser feliz"  de Rubem Alves
Imagem: pixabay
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