É a cara da tua mãe

Queria fazer uma homenagem à minha mãe, à tua, à todas as mães, até mesmo pra mãe de bicho porque mãe é mãe.

Sério!

Já viu uma mãe brigando pra proteger seus filhotes?

Pois vou contar uma história. Pode até parecer invenção, mas foi muito real quando minha mãe mostrou quem é que manda mesmo.

No meu arquivo de memória guardo essa história com o nome de “O Samurai adormecido”, vou resumir um pouco, mas foi assim que aconteceu:

Começou como um dia comum, mas dava pra sentir que aquele domingo ia ser especial. Logo cedo o sol já chamava para fora da cama, mas antes da brincadeira primeiro fomos à missa ali na São Francisco de Paula.

Quando chegávamos em casa na Kombi emprestada pela metalúrgica, mesmo antes de entrar pelo portão uma das meninas falou:

  • Ai que vontade de esvaziar o pneu desse desgraçado!

Era um Ford Galaxi 500 parado em cima da calçada bem em frente ao nosso portãozinho.

Fossem outras as palavras, fosse outro o desafio, talvez eu nem lembrasse mais, como tantas outras que se passaram e já esqueci. “Esvaziar o pneu daquele desgraçado” soou como uma senha secreta, esperada a longos anos para libertar algum feitiço.

Claro que aquelas palavras não podiam passar despercebidas aos ouvidos atentos de quatro garotos ávidos por aventuras.

Nem bem havíamos terminado o café da manhã e já estávamos trajados com o tradicional uniforme de moleque.

Camiseta, calção e alguma pequena preciosidade no bolso, mas nada que pudesse atrapalhar uma corrida, subir numa árvore ou pular uma cerca.

Tanta coisa pra fazer, tanta brincadeira à espera com um dia inteiro pela frente. Por onde começar?

A resposta surgiu na fração de segundo em que os quatro olhares se cruzaram. Nada havia para ser dito, pois cada um sabia a ordem a executar.

Catar um graveto no chão e seguir em missão para em seguida ouvir a confirmação da ordem pelo “Sssssssssim…” que saia de cada pneu do Galaxi.

Não sei ainda como nem porque, mas a coincidência prega suas peças. Enquanto estávamos agachados junto ao Galaxi, parou próximo um Chevrolet escuro, anos 50. Era o taxi que trazia apenas o professor da academia de caratê do clube ao lado, que por acaso era o dono do carro nosso alvo.

Como um guerreio em missão ele saiu do taxi gritando e xingando. O tempo de pagar o taxista foi o suficiente para escaparmos, pois ninguém consegue pegar um moleque depois de uma travessura.

Corremos para o fundo do quintal, subimos até as viga do telhado do galinheiro e puxamos a escada para cima mais rápido ainda.

O Karateca chegou vermelho e espumando. Gritava e batia nas vigas de sustentação. Tal alarido foi o suficiente. Ágil como uma gata assustada apareceu nossa mãe com uma vassoura na mão. Seus gritos e aquele jeito de girar a vassoura, de rodar, golpear e estocar fariam inveja a qualquer samurai. Atrapalhado, cambaleante, assustado e apanhando, o professor ninja fugiu com a velha em seu encalço.

Lembro até hoje da cara de assustado do sujeito que fugia, mas nem pude curtir o momento, pois assim que o homem saiu pelo portão, como um relâmpago o castigo nos atingiu cruel e devastador. Naquele domingo ensolarado de fevereiro, longo e bonito, quando tínhamos tanto pra brincar, ficamos confinados na casa até o limite da porta.

Bem.
Essa era a minha mãe. Samurai.
Leoa.
E outros infinitos adjetivos.

Sei que também é imagem da tua, então apenas feche os olhos, abra os braços, um sorriso e vá encontrá-la.

Feliz dia das mães.

José Luiz Nauiack - 2005
A publicação original encontra-se em “Banca de fatos - vol.XII” - Concurso Nacional de Crônicas - Prêmio 50
anos - Associação Brasil
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