Uma verdade inconveniente: o trabalho nasceu da tortura

Durante muito tempo, os etimologistas tiveram alguma dificuldade para admitir o óbvio, refugiando-se em hipóteses obscuras que envolviam outras matrizes latinas e até vocábulos do gaélico (!) e do címbrico (!!). A verdade pouco palatável é que, como o francês travail, o espanhol trabajo e o italiano travaglio(este, o que mais conserva o tom sombrio do termo original, deixando para lavoro os significados mais amenos), trabalho é um descendente direto da palavra latina tripalium.

E o que era o tripalium? Um instrumento composto, como o nome indica, de três paus, mais precisamente três estacas que, fincadas no chão para desenhar os vértices de um triângulo, se encontravam no alto. A essa estrutura se prendiam pessoas para serem martirizadas.

Isso mesmo: por mais que tal ideia revolte uma sensibilidade moderna, o antepassado daquele que “enobrece e dignifica o homem” era um instrumento de tortura. A punição e o suplício estão intimamente ligados ao trabalho.

Já estavam lá, portanto, as duas linhas de força, a ativa e a passiva, que teriam papéis complementares na evolução semântica da palavra. Trabalhar era padecer, extenuar-se, acabar-se na labuta, como faziam escravos e condenados. Era também exercer uma ação – modificadora e, por metáfora, torturante – sobre a terra, os alimentos, os animais.

Para que fossem surgindo gradualmente as acepções modernas, positivas e relativamente indolores ligadas ao exercício de uma profissão, porém, seria preciso esperar alguns séculos. Data de 1600, segundo o Trésor de la Langue Française, o primeiro registro de travail como “atividade profissional cotidiana necessária à subsistência”.

Não por acaso, a evolução semântica do trabalho caminhou paralelamente à ascensão da visão de mundo burguesa, que o valoriza, e ao declínio dos modelos econômicos baseados na escravidão e na servidão.

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