Meu dia foi difícil

Amanheceu assim, nuvens inexpressivas tapando o sol, aquele cinza dizia mais de mim do que do clima. Eu olhava pra baixo e pro vazio. Tudo seguia pesado e triste. Confesso ter usado a alegria como escudo e disfarce. Queria ser inacessível.

Procurei esconder ainda mais meu estado, tinha que fazer algo pra que ninguém percebesse meu desânimo, eu não queria ser notado nem mesmo consolado.

A ideia de fazer um bolo, coisa simples podia ser o disfarce ideal. Foliava arrastado o livro receitas. Parei saudoso revisando o bolo de fubá. Sentì o carinho da minha mãe na cozinha da casa velha, eu ainda criança lambendo com os dedos a travessa com o bolo já no forno.

Lentamente revisei mais de uma vez os ingredientes na secreta esperança de não poder fazê-lo, até isso deu errado. Fui obrigado a prosseguir com meu disfarce. Faltava energia até pra desistir.

Enquanto assava, mandei mensagem para minhas filhas, contava que logo tiraria um bolo do forno que se quisessem poderiam vir buscar um pedaço.

O bolo nem estava pronto quando chegou a primeira. trouxe consigo alegria, abraço, conversa e brilho. Lá fora o sol havia se posto sem mais fazer falta. Quando ela saiu, levou um pedaço do bolo e já não sei onde enfiou o peso do dia.

A última chegou correndo, contava do seu dia, sentou-se à mesa e parecia trazer a tempestade. Descarregou seus trovões. Os raios e a tormenta dificultavam qualquer conversa. Mas como dizem, a tempestade precede a bonança.

Fez-se silêncio enquanto ela terminava de comer. Então olhou-me através do meu disfarce e disse:
⁃ Pai… Comer teu bolo ainda quente fez valer meu dia.

Mais tarde procurei pela tristeza do dia, não sei onde foi parar. Sobraram as lembranças e o carinho.

Ao deitar, percebi que a noite com sua sabedoria deixava-me descansar, enquanto eu fechava os olhos ela disfarçava de negro o brilho daquele dia.

José Luiz Nauiack – Março de 2021
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